sábado, 14 de novembro de 2009

Educomunicação e experiência estética


A educomunicação é um termo criado pelo professor Ismar de Oliveira Soares, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, baseado nas pesquisas de Mario Kaplún, comunicador uruguaio, que pela primeira vez pronunciou o termo educomunicador. Segundo registros, foi Kaplún quem denominou de educomunicador o comunicador que trabalhava com educação para os meios. Porem, foi Soares que batizou de educomunicação esse campo emergente de intervenção social.

Para se falar de educomunicação é necessário ter em mente que estamos falando de um campo ainda muito novo e por isso ainda em constante transformação. Salvatierra (2006) observa a importância da trajetória das reflexões de Soares, que teve início em 1970, bem como as do projeto Leitura Crítica da Comunicação (LCC)1 , que teve início nos anos 80, na discussão entre mídia e educação. Ambas as reflexões contribuíram para que se iniciassem trabalhos junto a comunidades de baixa renda, o que foi fundamental para o reconhecimento de que a relação que a recepção tem com os meios de comunicação não poderiam mais se limitar a uma visão funcionalista e maniqueísta.

Salvatierre (2006) aponta que foi após pesquisa realizada em 1997 que a educomunicação surgiu no cenário nacional: “Soares conclui que um novo ofício já vinha sendo exercido por um profissional diferenciado, denominado educomunicador, e que, reconhecido esse novo profissional, se evidencia a emergência de um novo campo: a Educomunicação”. ( Salvatierra, 2006, p.243). Esse novo campo de intervenção social se manifesta, de acordo com Soares, em cinco áreas. Porem, dentre as cinco especificadas por Salvatierra (2006), citarei apenas duas delas que condizem com a proposta aqui presente:

• A área da mediação tecnológica nos espaços educativos, constituída pelos esforços para identificar a natureza da interatividade propiciada pelos novos instrumentos da comunicação e de democratizar o acesso as tecnologias, desmistificando-as e colocando-as a serviço de toda a sociedade.

• A área da reflexão epistemológica sobre o campo da educomunicação, que inclui a pesquisa e a avaliação sistemática, destinadas a compreender a complexidade das relações entre comunicação e educação.

Sobre os fundamentos deste novo campo, Salvatierra (2006) destaca:

• O “empoderamento” das pessoas para se expressarem e, portanto, para se apropriarem dos recursos midiáticos a partir do seu ponto de vista e dos seus próprios projetos e interesses;

• A aplicação do diálogo entre os agentes no processo educativo, com a promoção das capacidades e habilidades pré-existentes, mas pouco desenvolvidas, tendo como resultado o uso cada vez mais intenso das novas tecnologias e de novas linguagens na interação humana e grupal;

• A formação dos agentes educacionais para a mediação social de conflitos e para a promoção de valores de solidariedade social;

• A ampliação da capacidade dos agentes culturais para a discussão de temas transversais e próximos ao cotidiano social, tais como sexualidade, direitos e cidadania, violência e meio ambiente, entre outros;

• A promoção da gestão participativa dos processos comunicativos. Pressupõe que novas subjetividades sejam desenvolvidas, sendo elas: a) a ampliação do coeficiente comunicativo dos sujeitos, b) o fortalecimento da noção de cidadania como meta a ser alcançada, c) a abertura para a convivência em cenários de complexidade social, e d) a motivação para o exercício do protagonismo.

Outra função da educomunicação é o desenvolvimento de um ecossistema comunicativo2, que tem o intuito de horizontalizar as relações dentro de espaços de sociabilidade. Sendo assim, a educomunicação está ligada ao desenvolvimento da crítica e do desejo de emancipação, dentro de um ambiente de diálogo e discussão.

Analisando as práticas educomunicativas, Salvatierra (2006) acredita que os agentes do processo educativo são expostos também a uma experiência estética3, a medida que vivenciam dinâmicas, contrapõem idéias, ampliam o repertório, participam de reflexões, de analises e do processo de produção coletiva.

A autora afirma ainda que a educomunicação contribui para o conceito moderno de emancipação, reconhecendo a afetividade, a necessidade do vinculo e da experiência qualificada. “Educomunicação seria um novo campo de intervenção social não mais por estabelecer o dialogo ou mesmo o ecossistema comunicativo, mas por propiciar a experiência estética”. (SALVATIERRA, 2006, P.251).

Sendo a educomunicação uma intervenção social que visa a educação através dos meios de comunicação, é importante refletir sobre a sua contribuição para a transformação dos agentes do processo educativo não só de forma racional, mas sensorial também. De acordo com Salvatierra (2006):

“[...] percebe-se que os campos da Comunicação e da Educação estão marcados muito mais pela racionalidade, pela tomada de consciência analítica e reflexiva do que pela concepção que acredita que a cabeça que pensa está no corpo que sente, ou seja, em uma experiência que seja estética e não somente analítica. Assim, torna-se necessário demonstrar como ocorre a experiência estética em contrapartida ou juntamente com a tomada de consciência crítica, analítica e dialógica.” (SALVATIERRA, 2006, p.251).

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1 O LCC é um programa de leitura da comunicação desenvolvido pela UCBC a partir do início dos anos 80, e patenteado em seu nome, que tem o objetivo de possibilitar à sociedade, especialmente aos grupos organizados da sociedade civil – igrejas, movimentos sociais, escolas etc. – instrumentos acessíveis que permitam um maior conhecimento de todo o processo da comunicação, seja aquela produzida e difundida pelos meios de comunicação social ou pelas diferentes instituições sociais, como a que se faz presente nas próprias estruturas organizacionais.


2 “Segundo Soares, a expressão ecossistema comunicativo diz respeito a uma complexa teia de relações comunicativas que se dão no ambiente escolar e em outros espaços de sociabilidade. O autor advoga que, na perspectiva de incremento de seu ecossistema comunicativo, o ambiente escolar deveria propiciar espaços onde professores, alunos funcionários e pais de alunos sentassem, dialogassem e discutissem os problemas da escola, da comunidade ou mesmo do Estado de forma franca, aberta e, consequentemente, democrática”. (SALVATIERRA, 2006, p. 244)


3 ”Referimo-nos a uma dimensão da experiência que vai além da apreensão racional e mobiliza afetos, sensações e emoções. [...]Uma experiência que contem em seu bojo processos complexos de reflexão, que podem ser ou não explicitados por meio da argumentação, do discurso e da discussão. Uma experiência que não se baseia somente na analise objetiva, mas também na apreciação do que foi produzido, apreciação que ocorre pela percepção sensorial e racional. Neste sentido o ser que pensa é o mesmo ser que sente, que percebe (ouve, vê, toca, degusta, saboreia). Estética, nesse sentido, não é apenas a apreciação do belo”. (SALVATIERRA, 2006, p. 249)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Cauda Longa


A teoria da Cauda Longa diz que nossa cultura e economia estão mudando do foco de um relativo pequeno número de hits (produtos que vendem muito no grande mercado) no topo da curva de demanda, para um grande número de nichos na cauda. Com a queda do custo de produção e distribuição, especialmente nas transações on-line, não há mais necessidade de massificar produtos em um único formato e tamanho para consumidores. Na economia da escassez, a produção e a distribuição de produtos custam caro, e, portanto, concentram-se os esforços em produzir e distribuir produtos com forte apelo popular. Essa foi a economia de massa a que fomos submetidos desde a Revolução Industrial.


A teoria da Cauda Longa redefine a palavra economia transformando-a de ciência da escassez a ciência da abundancia. Para Anderson (2006), o monopólio dos hits está comprometido. No século 20, havia os hits ou nada, no século 21, teremos os hits e os nichos. Os hits irão competir com milhares de produtos de nicho, mas não deixarão de existir. Para o autor, a conseqüência é que os mercados serão mais diversificados e cada vez menos concentrados. “Numa era sem as limitações de espaço físico nas prateleiras e de outros pontos de estrangulamento da distribuição, bens e serviços com alvos estreitos podem ser tão atraentes quanto os destinados ao grande público”. (ANDERSON, 2006).


Na economia da abundância há espaço para que os produtos de nicho também tenham o seu mercado. Para o autor, esse fenômeno é possível devido a três pontos: a democratização das ferramentas de produção, a democratização das ferramentas de distribuição e a relação entre a demanda e a oferta. Na era digital qualquer individuo é capaz de fazer o que no passado era desenvolvido apenas por profissionais, basta ter acesso a um computador. A produção de conteúdo que antes era realizada por profissionais que produziam e amadores que consumiam, agora é um mercado aberto em que qualquer um pode entrar no campo do outro. “Hoje, milhões de pessoas têm a capacidade de produzir pequenos filmes ou álbuns e publicar seus pensamentos para todo o mundo – o que de fato é feito por quantidade de pessoas surpreendentemente grande”. (ANDERSON, 2006).


Assim como a produção se democratizou, a distribuição seguiu o mesmo rumo. Para Anderson (2008), a internet é a grande ferramenta de distribuição, pois através dela é mais barato alcançar mais pessoas. O autor também acredita que com essa combinação de forças, produção e distribuição democratizadas, é possível oferecer uma maior variedade de produtos. O grande número de ofertas aliado às ferramentas e técnicas que possibilitam que os consumidores encontrem aquilo que desejam, fazem com que a curva da demanda se torne mais horizontal e mais longa. Para o autor, ferramentas como o Google facilita e barateia a busca dos consumidores por aquilo que eles desejam. “O efeito econômico daí decorrente é encorajar mais buscas fora do mundo conhecido ou pelos meios não-convencionais, o que impulsiona ainda mais a demanda para os nichos”. (ANDERSON, 2006).


De acordo com do Anderson (2006), os consumidores assumiram um novo papel “deixamos de ser consumidores passivos para passar a atuar como produtores ativos.” As câmeras digitais de fotos e vídeos, os softwares de edição e os blogs são exemplos de ferramentas de produção democratizadas que vem colaborando para que os consumidores se tornem produtores. Um outro grande exemplo é a enciclopédia on-line Wikipedia, que permite que qualquer pessoa entre no site, edite, apague ou aumente o conteúdo.


Anderson (2006) acredita que estamos vivendo uma época de abundância de informações em que não mais a indústria cultural tem o controle, mas em que os consumidores criam o conteúdo. A informação na rede não tem custo algum com espaço físico, o que possibilita maior criação de conteúdos pelos usuários. Isso possibilita que diversificados nichos se formem de acordo com as preferências dos consumidores. Para Anderson (2008) o aumento do número de nichos pode compor um mercado capaz de disputar com o dos hits.


Todos esses nichos em conjunto podem constituir um mercado tão grande quanto o dos hits, se não maior. Embora nenhum dos nichos venda grandes quantidades, são tantos os produtos de nicho que, como um todo, podem compor um mercado capaz de rivalizar com o dos hits. (ANDERSON, 2006, p.51).


Anderson (2006) explica que muitos dos fenômenos da internet, como a Wikipedia, o Google e os blogs, funcionam com base na lógica probalística, ou seja, os conteúdos oferecidos por estes são de caráter mais probalísticos do que de certezas. Para o autor, a vantagem é que estes sistemas se beneficiam mais da sabedoria das multidões e por isso podem aumentar em amplitude e em profundidade. No entanto, ele acredita que devemos ter mais cuidado com as informações que colhemos na internet “é preciso considerar cada resultado isolado como um pouco de dúvida” (ANDERSON, 2006).


Para o autor, existem inúmeras razões pelas quais as pessoas criam conteúdos para a internet. A necessidade de expressão e a busca de reputação são alguns dos exemplos. Anderson (2006) lembra que a democratização das ferramentas de produção e distribuição possibilita que muitos talentos possam encontrar o seu verdadeiro público, porém o autor deixa claro que essa democratização também permite que muito lixo e conteúdos de má qualidade sejam disponibilizados na rede.


Para Anderson (2006), a internet vem transformando a economia, a cultura e a sociedade de forma avassaladora e contribuindo significantemente para a teoria da Cauda Longa.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Jornalismo Colaborativo x Jornalismo Tradicional



O jornalismo colaborativo está trazendo mudanças significativas na história do jornalismo mundial. Ana Maria Bambrilla (2008) observa que o conceito de jornalismo colaborativo ainda é plural e transitório, mas já vem causando uma das maiores revoluções no jornalismo ao longo dos últimos 200 anos.

Para que um material colaborativo seja considerado como jornalístico, é necessário que se tenha em mente alguns dos princípios básicos do jornalismo tradicional. Bambrilla (2008) afirma que o jornalismo colaborativo não anula alguns valores que formam a base do jornalismo tradicional “credibilidade, identificação, proximidade, atualidade, novidade, apuração e verdade são nortes que continuam guiando todo o exercício do jornalismo” (BAMBRILLA, 2008).

A credibilidade é o princípio fundamental do jornalismo, e credibilidade, é algo que se constrói no dia-a-dia. Bambrilla (2008) cita a checagem das informações, a seriedade, o compromisso com a verdade e é claro, a identificação de quem produz o conteúdo como o caminho para a conquista e a consolidação da credibilidade.

É necessário também a presença de jornalistas profissionais para que um projeto colaborativo de produção de informação seja caracterizado como jornalístico. A figura do editor é essencial, pois “Transformar informações coletadas de quaisquer fontes em notícias não é uma tarefa simples. Requer conhecimentos especializados de ordem técnica e intelectual. E isso não é algo que possa se exigir de cidadãos-repórteres leigos em jornalismo.” (BAMBRILLA, 2008). A produção de pauta, a checagem da informação e a relevância das notícias são algumas das funções básicas do editor e sendo esses pontos cruciais para o desenvolvimento de um noticiário colaborativo, a figura deste profissional torna-se essencial.

A transformação do próprio cotidiano em notícia possibilita que o cidadão-repórter saia do papel de fonte, como seria no jornalismo tradicional e participe colaborativamente com conteúdos que fazem parte de sua realidade. Diante disso, Bambrilla (2008) acredita que a notícia tende a ser mais pura por estar mais próxima da fonte e admite que os leitores podem saber muito mais do que os próprios jornalistas em determinados assuntos que façam parte do cotidiano destes. É importante ressaltar o papel do cidadão-repórter para a pluralidade do jornalismo, afinal, “o que mantém essa diversidade é justamente o lugar de fala de cada colaborador.” (BAMBRILLA, 2008).

Além do papel de editor, a função de “entusiasta do público” é uma outra função, que necessita ser exercida por jornalistas profissionais, e esta função é essencial para a construção de noticiários colaborativos. “Ele é o maestro que orquestra a polifonia de diferentes realidades proclamadas por seus atores do cotidiano. É por intermédio do jornalista que o cidadão legitima sua atuação como repórter.” (BAMBRILLA, 2008).

Sendo a internet um ambiente de dupla-via informacional e propício à construção do jornalismo colaborativo, Bambrilla (2008) propõe a reflexão sobre a publicação imediata (sem mediação) e a importância da identificação do colaborador. A mediação torna o conteúdo mais seguro e confere mais relevância ao trabalho do jornalista, mas ainda assim, a publicação imediata não é algo tão preocupante, pois para Bambrilla (2008) os próprios colaboradores de um site se responsabilizam pela exclusão de algum usuário que tente prejudicar a credibilidade daquele ambiente colaborativo.

A identificação do colaborador é um outro princípio básico para que um material colaborativo seja considerado jornalístico, mas é necessário que o colaborador tenha em mente que ao fazê-lo ele é o único responsável sobre o conteúdo que acabou de publicar, bem como sobre a sua exposição plena a opinião publica, que pode aclamá-lo ou excluí-lo a qualquer momento. Quanto ao estilo textual, a escrita em primeira pessoa é a mais coerente com o jornalismo colaborativo, afinal os cidadãos-repórteres são os atores e autores de suas próprias histórias. Bambrilla (2008) aponta o conteúdo opinativo como sendo muito bem vindo ao jornalismo colaborativo por oferecer uma pluralidade de pontos de vista sobre o mesmo assunto.

A motivação das pessoas para interagirem entre si e com a informação é o princípio básico do processo de construção de qualquer material colaborativa. Bambrilla (2008) acredita que este princípio básico já é inerente ao ser humano à medida que este necessita do outro para legitimar a sua própria existência. “Existir pelo olhar do outro, considerar o outro para fins de si mesmo, viver em conjunto. Eis atributos de base de todo processo colaborativo.” (BAMBRILLA, 2008).


BRAMBILLA, Ana Maria. Olhares sobre o jornalismo colaborativo. In: CAVALCANTI, Mário Lima. Eu, Mídia; A era cidadã e o impacto da publicação pessoal no jornalismo. Rio de Janeiro: OPVS, 2008.

sábado, 24 de outubro de 2009

“A era cidadã chegou para acabar com a credibilidade do jornalismo/meio on-line ou para acrescentar?”


O crescimento nos últimos anos do jornalismo colaborativo, ou jornalismo participativo, ou ainda jornalismo cidadão, se dá devido às características naturais do meio internet e as novas formas de emissão e recepção da informação. A participação cidadã e canais independentes de expressão existem há décadas, porém não com o alcance geográfico e espacial que a internet permite. Cavalcanti (2008) afirma que estamos vivendo a era cidadã, na qual o receptor interage e, principalmente, participa do processo de construção da informação e da produção do conteúdo jornalístico. A participação do cidadão na construção e na distribuição da informação levanta questões como a credibilidade e a veracidade da informação e o exercício da profissão jornalística. “A era cidadã chegou para acabar com a credibilidade do jornalismo/meio on-line ou para acrescentar?” (CAVALCANTI, 2008).

CAVALCANTI, Mário Lima (org.). Eu, mídia; A era cidadã e o impacto da publicação pessoal no jornalismo. Rio de Janeiro: Opvs, 2008.